Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos – Benjamin Constant - Fichamento



Fichamento – Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos – Benjamin Constant

Neste texto, o político francês Benjamin Constant se propõe a apresentar algumas distinções entre a liberdade política dos antigos e a liberdade individual dos modernos e busca combater o erro do abade de Mably, seguidor de Rousseau, que exaltou a liberdade política, em detrimento da liberdade individual..
Na Antiguidade:
Não havia governo representativo como o entendemos hoje. A exemplo de Roma, o povo exercia diretamente uma grande parte dos direitos políticos, havendo fracos traços do sistema representativo.  De forma geral, o exercício da soberania era feito coletiva e diretamente. O povo deliberava em praça pública sobre a guerra e a paz, votavam leis, pronunciavam julgamentos, examinavam as contas, os atos e a gestão dos magistrados. Além disso, “as leis regulamentavam os costumes e, como tudo dependia dos costumes, não havia nada que as leis não regulamentassem” (p. 11).
Portanto, os indivíduo é soberano nas questões públicas, mas não possui nenhum tipo de direito como indivíduo, “é escravo em seus assuntos privados”. Mesmo as relações conjugais eram mediadas e controladas pela força do coletivo.
As antigas repúblicas tinham pouca extensão e possuíam limites estreitos, tendo como conseqüência inevitável um espírito belicoso, em que cada povo era um incômodo constante para seus vizinhos (p.12). A segurança, a independência e a existência de forma geral era “garantida” através da guerra. Os povos comerciantes eram a exceção à regra.  A guerra era o “meio de interação” entre os povos. “Para os antigos uma guerra feliz acrescentava escravos, tributos, terras, à riqueza pública e particular” (p.13).
A escravidão dava à população livre tempo e disposição para os diversos deveres e as diversas deliberações diárias que aconteciam em praça pública. (!) (p. 14)
A censura e o ostracismo eram meios institucionais de governo.
Mesmo em Atenas, em que, pelo maior desenvolvimento do Comércio os indivíduos possuíam alguma liberdade, o povo fazia as leis, examinava a conduta dos magistrados, intimava homens do governo a prestar contas, condenava generais à morte e tinham o ostracismo, a redução de um indivíduo a alguém sem pátria e sem direitos, como ato legal e louvado - o que prova que o indivíduo estava sempre subordinado à supremacia do corpo social (p. 15).
De acordo com as máximas da liberdade antiga: “que os cidadãos sejam completamente dominados para que a nação seja soberana, e que o indivíduo seja escravo para que o povo seja livre” ( p. 17).
O objetivo dos homens do mundo antigo era, portanto, “a partilha do poder social entre todos os cidadãos de uma mesma pátria”(p. 15).
No Mundo Moderno
O indivíduo possui o direito de se submeter apenas às leis, não podendo ser preso, condenado ou maltratado em conseqüência da vontade arbitrária de um ou de vários outros indivíduos. Cada um possui também o direito de dizer sua opinião, de escolher e exercer seu trabalho, de dispor de propriedade*, de ir e vir sem pedir permissão ou dar satisfação de seus motivos; de reunir-se voluntariamente com outros indivíduos para cultos, discussão de interesses ou para preencher seus dias e horas de acordo com suas inclinações ou fantasias. Além disso, possui o direito de influir sobre a administração do governo através de representações, petições, reivindicações, etc. (p. 10 e 11).
Os territórios dos Estados Modernos são vastos, o que dificulta a ação direta dos cidadãos em cada decisão a ser tomada: “A extensão de um país diminui muito a importância política que toca, distributivamente, a cada indivíduo” (p. 13).
 Na sociedade moderna, o indivíduo possui direitos que a sociedade deve respeitar e sua influência está tão perdida numa quantidade de influências, iguais ou superiores, que toda a opressão, motivada na necessidade de diminuir essa influência (individual), é inútil e, consequentemente, injusta” (p.19).
Não havendo mais escravidão, as pessoas, de maneira geral, principalmente as mais pobres, precisam trabalhar pra que se sustentem, não havendo tempo, disposição e relação de prazer com a coisa pública. Surge então a necessidade do governo representativo, pela impossibilidade de que os indivíduos se realizem em suas vidas pessoais e de que atuem diretamente na política ao mesmo tempo, lhes cabendo apenas “fiscalizar” seus representantes e exigir-lhes que cumpram suas promessas.
Perigos da liberdade: No caso da liberdade política, há o perigo de que, atentos unicamente à necessidade de garantir a participação no poder social, os homens não se preocupassem com os direitos e garantias individuais. No da liberdade individual, o perigo de que sejamos absorvidos pelo gozo da independência privada e na busca de interesses particulares, renunciemos demasiado facilmente a nosso direito de participar do poder político.
Comércio: Na Antiguidade o comércio era um acidente feliz. A guerra, a falta da bússola, etc, faziam desta uma atividade de altíssimo risco (p.13). O comércio, em relação à guerra, é um meio mais brando, seguro e barato de fazer com que um adversário consinta no que convém a um outro indivíduo. Ele não deixa, como a guerra, intervalos de inatividade na vida do homem. Ele reforça o amor pela independência individual (p. 14).
Ele Substituiu a guerra;  o que era conquistado no mundo antigo pela força é, no mundo moderno, adquirido pela “negociação”. O comércio é” uma tentativa de obter por acordo aquilo que não se deseja mais conquistar pela violência (p.12). “Para os modernos, uma guerra feliz custa infalivelmente mais do que vale” (p.13).
O comércio atendas às necessidades e satisfaz os desejos dos indivíduos, sendo a intervenção do Estado, para o autor, sempre incômoda. “Todas as vezes que os governos pretendem realizar negócios, eles o fazem menos bem e com menos vantagens do que nós” (p.14).
Torna mais fraca a “ação da arbitrariedade sobre nossa existência”, pois, “sendo nossas especulações mais variadas, o arbítrio deve multiplicar-se para atingi-las”. Porém também torna a ação da arbitrariedade mais fácil de enganar, porque modifica a natureza da propriedade, que se torna, por essa modificação, quase inapreensível”. Ele também dá circulação à propriedade e faz com que a autoridade se torne, pelo crédito, dependente. Aproximou as nações e lhes deu hábitos e costumes mais ou menos semelhantes (p. 22 e 23).
Dinheiro e Crédito: “O dinheiro é a arma mais perigosa do despotismo; mas é ao mesmo tempo seu freio mais poderoso. O crédito está submetido à opinião; a força é inútil” (p.22).
Conclusão: Não só a política, mas o espírito dos tempos antigos eram diferentes dos da modernidade.
A participação política  que se tinha na antiguidade não era uma suposição abstrata. A vontade de cada um tinha influência real, direta, imediata; o exercício dessa vontade era sentido com prazer, que se repetia diariamente. Havia tempo e disposição para uma participação tão constante. Por isso, os antigos estavam dispostos a se sacrificar como indivíduos para que garantissem esse exercício. E sentindo com orgulho o resultado de seus votos, cada um era compensado “psicológicamente” pela “consciência” de sua importância social.  
Isto está longe de corresponder à vida do indivíduo moderno, que “não percebe a influência que exerce, sua vontade não marca o conjunto; nada prova, a seus olhos, sua cooperação” (p.15)
O autor não pretende incentivar que se renuncie a nenhuma das duas liberdades. Afirma, porém, que é necessário combiná-las. Não se pode pedir que os indivíduos abram mão de sua liberdade individual em nome do coletivo, pois “pedir aos povos de hoje para sacrificar, como os de antigamente, a totalidade de sua liberdade individual à liberdade política é o meio mais seguro de afastá-los da primeira, com a conseqüência de que, feito isso, a segunda não tardará a lhe ser arrebatada” (p. 21).
 “A obra do legislador não é completa quando apenas tornou o povo tranqüilo. Mesmo quando esse povo está contente, ainda resta muita coisa a fazer. É preciso que as instituições terminem a educação moral dos cidadãos. Respeitando seus direitos individuais, protegendo sua independência, não perturbando suas ocupações, devem, no entanto, consagrar a influência deles sobre a coisa pública, chamá-los a participar do exercício do poder..., preparando-os desde modo, pela prática, para essas funções elevadas, dar-lhes ao mesmo tempo o desejo e faculdade de executá-las” (p. 25).
Outra informações importantes e Problematizações
Parágrafo 11 – Página 10 – A Palavra Propriedade sempre me parece fora de lógica, já que ela não é algo em si, ou que nasce com os homens, que poderia ser defendida lado a lado no mesmo bolo da liberdade de pensamento e expressão, por exemplo. A propriedade moderna foi construída através de guerras, assaltos, delimitação arbitrária de terras por “autoridades”, etc. Por isso, a maioria dos argumentos que se utilizam da “propriedade” me soa como “generalidades filosóficas” – talvez por minha ignorância em relação ao sentido específico dado pelo autor. Ou talvez porque isso me parece sempre algo como naturalizar a desigualdade e a exploração. Neste sentido, acredito que é papel do Estado diminuir as desigualdades que se materializaram através da história, garantir oportunidade para que todos adquiram suas “propriedades” e que, como o autor menciona no texto, abusem dela se quiserem (também).
Página 24: “...será mesmo verdade que a felicidade, de qualquer espécie que ela possa ser, seja o único objetivo do gênero humano? Nesse caso, nossa meta seria muito estreita e nosso destino muito pouco nobre. Não haveria nenhum de nós que – se quisesse rebaixar-se, restringir suas faculdades morais, aviltar seus desejos, renunciar à atividade, à gloria, às emoções generosas e profundas – conseguisse embrutecer-se a ser feliz. Não, Senhores – e eu invoco como prova a parte melhor de nossa natureza, a nobre inquietude que nos persegue e nos atormenta, a paixão em alargar nossas luzes e desenvolver nossas faculdade - , não é só a felicidade, é ao aperfeiçoamento que nosso destino nos chama; e a liberdade política é o mais poderoso, o mais enérgico modo de aperfeiçoamento que o céu nos concedeu. (!!!)

Virtude e Terror – Maximilien Robespierre
Neste texto Maximilien Robespierre orienta o Comitê de Salvação Pública sobre seus deveres, a fim de “fazer triunfar os princípios sobre os quais se deve basear a prosperidade pública” (p.165). Para isso faz distinções entre governo constitucional e governo revolucionário, e adverte enfaticamente os “cidadãos representantes do povo” em relação às intrigas e conspirações dos inimigos locais e estrangeiros, com expressões que soam como máximas maquiavélicas. O título do texto, fica claro no seu decorrer, já antecipa a virtude que produz até mesmo o terror quando necessário.
Sobre os princípios do governo revolucionário:
Neste tópico o autor desenvolve primeiramente os tais princípios e a necessidade do governo revolucionário, discorrendo, em seguida, sobre a causa que tende a impedi-lo em seu nascimento.
A função do governo é, segundo ele, guiar “as forças morais e cívicas da nação para a meta de sua instituição, sendo o governo revolucionário submetido a regras menos uniformes e rigorosas porque as circunstâncias em que se encontra são tempestuosas e variáveis, e sobretudo porque ele é forçado a lançar mão, sem cessar, de recursos novos e rápidos para perigos novos e prementes. – argumento que os tais “inimigos” citados ao longo de todo o texto também poderiam utilizar, inclusive para oprimir. Até porque, tempestuosa e variável é a vida em si.
O governo revolucionário deve toda a proteção nacional aos bons cidadãos e aos inimigos do povo “ela só deve a morte”. (p. 165)
Governo Constitucional: Tem como meta a conservação da República. A Constituição é o regime da liberdade vitoriosa e pacífica.  Se ocupa principalmente da liberdade civil; basta proteger os indivíduos contra o abuso do poder público.
Governo Revolucionário: Tem como meta a fundação da República. A revolução é a guerra da liberdade contra seus inimigos. Se ocupa principalmente da liberdade pública e é obrigado a se defender de todas as facções que o atacam.
Com estas breves noções e distinções, acredita justificar a origem e natureza das leis que chama de revolucionárias.
Segue dizendo que o Governo revolucionário deve ser mais ativo em sua marcha – e mais livre em seus movimentos – não porque é menos justo e legítimo, mas em nome da segurança do povo, “a mais santa de todas as leis” e “sobre a mais irrefutável de todas as qualidades: a necessidade” (p.166).
“Ele também tem suas regras, todas amparadas na justiça, e na ordem pública. Nada tem em comum com a anarquia nem com a desordem; sua meta, ao contrário, é reprimi-las, para suscitar e afirmar o reinado das leis. Nada tem em comum com o arbitrário; não são as paixões particulares que o devem dirigir, mas o interesse público” (p.166).
“Quanto mais terrível for com os maldosos, mais deve ser favorável aos bons”(p.166) – Maquiavel teria gostado dessa colocação! E bastaria mudar os “maldosos” e os “bons” de acordo com a mais irrefutável de todas as qualidades: a necessidade. Seria bastante virtuoso!
Para se defender das conspirações que parecem vir de todos os lados contra os “bons homens revolucionários”,  eles devem perseguir os inimigos, “proteger o patriotismo, mesmo em seus erros; esclarecer os patriotas, e elevar sem cessar o povo à altura de seus direitos e de seus destinos” (p.168).
Os excessos devem ser demarcados de acordo com o “amor à pátria e pela verdade” (p. 168).
Nas páginas 169 e 170, o autor faz referência às “virtudes republicanas e exemplos antigos”.
Na página 173 expõe mais uma vez seu ódio aos estrangeiros que, segundo ele, vivem a sabotar a França: “Por nós, faríamos a guerra apenas aos ingleses, prussianos, austríacos e seus cúmplices. É exterminando-os que responderemos aos libelos. Nós somente sabemos odiar os inimigos da pátria”.
Em relação ao Exército francês, o considera a glória da nação e da humanidade e dedica um parágrafo para elogiá-los (p. 174 e 175).
Ao fim da página 175 e ao longo da página 176 está o decreto da Convenção Nacional
Sobre os princípios de moralidade política que devem guiar a Convenção Nacional na administração interna da República.
Neste tópico, o autor se propõe a apresentar os princípios de sua política interior e a marcar a meta de revolução e o termo a que pretendiam chegar: “o usufruto pacífico da liberdade e da igualdade” (p. 178 e 179).
Seus desejos são de uma ordem de coisas em que todas as “paixões baixas e cruéis sejam encarceradas, todas as paixões benéficas e generosas sejam despertadas pelas leis; na qual a ambição seja o desejo de merecer a glória de servir à pátria, em que as distinções nasçam da própria igualdade; o cidadão seja submisso ao magistrado, o magistrado ao povo, e o povo à justiça...” (p. 179)
E na página seguinte resume sua meta em “cumprir os desejos da natureza, realizar os destino da humanidade, manter as promessas da filosofia, absolver a providência do longo reinado do crime da tirania”.
Segundo ele, o único tipo de governo capaz de realizar essa meta é governo democrático ( ou republicano ), no qual o povo soberano faz por si mesmo, guiado por leis que ele mesmo criou, tudo o que pode fazer bem, e por meio de delegados tudo o que não pode fazer ele mesmo (p. 180), sendo, portanto, nos princípios deste tipo de governo que se deveria buscar as regras de conduta política. E este tipo de governo só seria possível de fundar e consolidar findando-se a guerra da liberdade contra a tirania.
Princípio fundamental do governo democrático: A virtude ( pública), isto é, o amor pela pátria e por suas leis. E sendo a essência da democracia a igualdade, o amor à pátria contém necessariamente o amor à igualdade. Este sentimento supõe a preferência do interesse público a todos os interesses particulares (p. 181).
“Somente na democracia o Estado é verdadeiramente a pátria de todos os indivíduos que a compõem e pode contar com tantos defensores interessados em sua causa quantos cidadãos existam.” (p. 181)
Consequências dos princípios expostos: é regra primeira da conduta política revolucionária relacionar todas as operações à manutenção da igualdade e ao desenvolvimento da virtude ( do patriotismo ), fortalecendo o princípio do governo. Robespierre considera neste ponto que a virtude é natural ao povo. (p. 182 e 182)
Caráter do governo popular: ser confiante no povo e severo consigo mesmo.
Na página 185 volta a trazer à tona a necessidade de eliminar os inimigos: “É preciso sufocar os inimigos internos e externos da República ou morrer com ela; ora, nessa situação, a primeira máxima de vossa política severa deve ser que se conduza o povo pela razão, e os inimigos do povo pelo terror”. Para ele o terror é uma emanação da virtude, sem o qual a virtude é impotente. – que medo!
“A proteção social só se deve aos cidadãos pacíficos.” (p.186) – mas, sendo o povo virtuoso, ele não pode ser também violento quando necessário?
Punir os opressores da humanidade é clemência, perdoá-los é barbárie. O rigor dos tiranos tem por único princípio o rigor; o governo republicano parte da beneficência” (p. 188) – Foi  George Orwell que escreveu isso?
Na página 195 diz que a democracia morre por dois excessos: a aristocracia daqueles que governam ou o desprezo do povo pelas autoridades que eles mesmo estabeleceu. Mas acredita que os representantes do povo podem evitar a ambos, porque o governo é sempre capaz de ser justo e sábio.

Robespierre conclui reiterando seus desejos e metas: “Nós nos limitamos hoje a vos propor consagrar, pela vossa aprovação formal, as verdades morais e políticas sobre as quais devem ser fundadas vossa administração interna e a estabilidade da República, como já consagrastes os princípios de vossa conduta em relação aos povos estrangeiros: assim, unireis todos os bons cidadãos, tirareis a esperança aos conspiradores; assegurareis vossa marcha e confundireis as intrigas e as calunias dos reis; honrareis vossa causa e vosso caráter aos olhos de todos os povos. Dai ao povo francês esse novo penhor de vosso zelo em proteger o patriotismo, de vossa justiça inflexível para os culpados e de vossa devoção à causa do povo” (p.198).

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