As Estruturas Elementares do Parentesco - Lévi Strauss
As Estruturas
Elementares do Parentesco - Lévi Strauss
O antropologo francês Lévi Strauss não se limitou a tentar entender o
que estava dado no mundo empiricamente, ele acreditava haver uma lógica formal
por trás das estruturas de parentesco e no estudo apresentado aqui, busca a
lógica que orienta as diversas regras de casamento entre os povos
"primitivos". Para isso parte da proibição do incesto, de caráter
ambíguo e "pré-social", não pretendendo encontrar sua explicação nas
"configurações históricas", mas nas "causas profundas e
onipresentes que fazem com que, em todas as sociedades e em todas as épocas,
exista uma regulamentação das relações entre os sexos" (p. 61).
No capítulo I, Natureza e Cultura, o autor aborda as diversas lacunas e
inconsistências dos conceitos de Natureza e Cultura e as dificuldade na
tentativa de estabelecer um limite definido entre eles, isto é, não há
"significação histórica aceitável" para a distinção entre estado de
natureza e de sociedade, pois "o homem é um ser
biológico, ao mesmo tempo que um indivíduo social" (p.41). Não há possibilidade
de "apreender o ponto de passagem entre os fatos
da natureza e os fatos da cultura, além do mecanismo de articulação deles" (p. 47). Porém, considera que possuem importante "valor lógico" e
devem ser usados como intrumento metodológico no estudo da sociedade.
Entende-se que tudo que se refere à cultura é caracterizado pela norma e tudo o
que se refere à natureza é de caráter universal.
A proibição do incesto, segundo Strauss, está no limite entre a natureza
e a cultura, pois "apresenta, sem o menor equívoco e
indissoluvelmente reunidos os dois caracteres nos quais reconhecemos os atributos contraditórios de
duas ordens exclusivas, isto é, constituem uma regra, mas uma regra que, única
entre todas as regras sociais, possui ao mesmo tempo caráter de
universalidade" (p.47). Por mais que se possa pensar que em alguns povos são permitidos
casamentos com pessoas da mesma família, do mesmo sangue, sempre há algum tipo
de proibição.
No capítulo II, intitulado O Problema do Incesto, o autor aponta para os
equívocos, tanto do senso comum, como de alguns estudiosos em relação a essa
regra social. Ele afasta inicialmente a hipótese de que esta proibição é
reflexo de um fenômeno natural, uma medida de proteção contra os "resultados nefastos dos casamentos consanguíneos" (p.51). Na verdade se trata do contrário. De acordo com o estudo de um
biólogo chamado E. M. East os supostos perigos de casamentos consanguíneos
jamais teriam surgido se a endogamia tivesse ocorrido desde a origem. Os
efeitos nefastos deste tipo de relação resulta, portanto, de uma "tradição
de exogamia ou pangamia"; não são a causa destes efeitos (p.53).
Em seguida, o autor refuta uma outra explicação, desta vez de caráter
fisiológico e psicológico: A proibição do incesto seria o resultado de um
desisteresse sexual em relação àqueles com quem se possui convívio constante,
explicaria-se pelo "papel negativo dos hábitos cotidianos sobre a
excitabilidade erótica".Porém se está hipótese estivesse correta, toda a
psicologia deveria ser repensada, pois a "psicanálise descobre um fenômeno
universal não na repulsão em face das relações incestuosas, mas, ao contrário,
na procura delas" (p.55). Além disso, se assim fosse não haveria
necessidade de proibição, pois o convívio entre parentes em si, já daria conta
de evitar relações consanguíneas, isto é, "não existe nenhuma razão para proibir aquilo que, sem proibição,
não correria o risco de ser executado" (p. 56).
Uma outra explicação, levantada por Durkheim, atribui à essa regra um
caráter totalmente social, sendo uma "consequência longinqua das regras de
exogamia", um resquício da exogamia, em consequência do temor ao sangue
clânico, associado ao sangue menstrual. Os interditos
referentes às mulheres e à sua segregação, tal como se exprime na regra de
exogamia, nao seriam portanto senão a repercussão longínqua de crenças
religiosas que primitivamente não fazem discriminação entre os sexos, mas que
se transformam sob a influência da aproximação que se estabelece, no espírito
dos homens, entre o sangue e o sexo feminino" (p. 58). Mas para Lévi Strauss,
ainda que esta interpretação organize num só sistema fenômenos de caráteres
diferentes, que isoladamente parecem ininteligíveis, a conexão entre estes
fenômenos é feita de maneira arbitrária e sem que se possa perceber alguma
ligação lógica entre eles. "Cada etapa está ligada à
precedente por uma relação arbitrária" (p. 59). O problema desta interpretação está, portanto, no fato de que se
busca uma explicação de sequência histórica para a proibição do incesto, quando
na verdade, a história mostra que em cada instituição os "episódios"
históricos levaram a resultados muito diferentes. Durkheim "não propõe
nenhuma lei que explique a passagem" de uma etapa a outra (p. 61).
As três explicações refutadas por Lévi Strauss se dão por análises
estáticas dos fenômenos, que levam, segundo demonstrado ao longo do capítulo, a
diversas contradições. O autor propõe, assim, como solução, a análise dinâmica
destes fenômenos: a proibição do incesto não dependeria exatamente nem da
natureza nem da cultura, mas do "vínculo que as une". Esta união pode
ser melhor vista como uma transformação ou passagem, pela qual "a natureza
se ultrapassa a si mesma" (p. 63).
"Acende a faísca sob a ação da qual
forma-se uma estrutura de novo tipo, mais complexa, e assim como estas se
superpõem, integrando-as, às estruturas, mais simples que elas próprias, da
vida animal. Realiza, e constitui por si mesma, o advendo de uma nova
ordem" (p. 63).
No capítulo que segue, o autor explica os diversos fatores do Universo
das Regras. O que é relevante entender por ora é que a proibição do incesto
considera a "relação social, situada além do vínculo biológico" e de
maneira geral, "exprime a passagem do fato natural da consanguinidade ao
fato cultural da aliança" (p. 70). A aliança é o que dá o
caráter social à relação entre os sexos. "A natureza impõe a aliança sem
determiná-la, e a cultura só a recebe para definir-lhe imediatamente as
modalidades" (p. 71).
A regra que proíbe o incesto constitui um tipo de
"intervensão", que ocorre em casos de "insuficiência ou
distribuição aleatória de um valor cujo uso apresenta fundamental
importância" para a sobrevivência do grupo. O "regime do produto escasso" organiza a distribuição numa intervensão
coletiva que mantém a coesão do grupo, evitando que esteja a todo o tempo
comprometida (p. 72). A distribuição controlada pelo grupo não é
apenas das mulheres, mas de tudo o que tem valor para o grupo; o bem
distribuído mais fácil de observar é o alimento. Para os primitivos é unânime a
idéia de que "o alimento é coisa para se distribuir" (p. 73).
"As trocas matrimoniais e as trocas
econômicas formam no espírito do indígena parte integrante de um sistema
fundamental de reciprocidade." (p. 73)
A posse e o controle do alimento é propriedade da autoridade familiar, o
alimento distribuído reflete justamente a estrutura do parentesco. Há no
pensamento indígena "sistemas de equivalência psicofisiológicas" em
que o alimento "torna-se símbolo das experiências espirituais mais altas e
a expressão das relações sociais mais essenciais" (p. 77). As mulheres têm direta ligação com o alimento, pois por um lado o
fornecem e por outro o preparam, sendo também consideradas um dos
"bens" mais importantes do grupo. A sobrevivência do grupo, que
depende da satisfação das suas "necessidades econômicas", depende
principalmente da "sociedade conjugal" e da divisão sexual do trabalho. A alimentação
completa e regular do grupo depende da "cooperativa de produção" que
são as famílias; e quanto mais mulheres, mais alimento.
No Quarto Capítulo, Endogamia e Exogamia, Strauss adverte que
"categorias exógamas e categorias endógamas não constituem entidades
independentes e dotadas de existência objetiva" e "devem ser
consideradas mais como pontos de vista ou perspectivas diferentes, mas
solidárias, de um sistema de relações fundamentais, no qual cada termo é
definido por sua posição no interior do sistema" - de parentesco (p. 90).
Outro aspecto importante abordado ao longo do capítulo é o fato de que a
proibição é ao mesmo tempo uma prescrição. O "conteúdo da proibição"
não se limita ao advento da proibição. Essa intervensão ocorre para "garantir e fundar", direta e imediatamente ou não, um sistema de troca (p.91).
Chegamos, então, ao último capítulo a resenhar, O Princípio de
Reciprocidade, que trata com mais profundidade do "fato social
total", que possui ao mesmo tempo significação social, religiosa, mágica,
econômica, utilitária, sentimental, jurídica e moral (p. 92), de implicações
"ao mesmo tempo psicológicas sociais e econômicas" (p.100): a troca.
O "jogo das trocas" é considerado pelo autor um "conjunto complexo de manobras, conscientes ou inconscientes, para
adquirir garantias e prevenir-se contra riscos no duplo terreno das alianças e
da rivalidade" (p. 94); é a resolução pacífica das guerras e as guerras, "o desfecho de
transações infelizes" (p. 107). O casamento, por sua
vez, em todos os lugares é considerado um momento propício para que se inicie
ou desenvolva um "ciclo de trocas" (p. 103). A renúncia à prática sexual com as mulheres de determinados termos do
parentesco, implica na garantia de uma mulher de outro grupo e com isso a
obtenção de alimento e a manutenção da estrutura de parentesco e da
"cooperativa de produção" que garante a sobrevivência do grupo.
Existe, enfim, "uma transação contínua da guerra às
trocas e das trocas aos intercasamento. E a troca da noiva é apenas o termo de
um processo ininterrupto de dons recíprocos, que realiza a passagem da
hostilidade à aliança, da angústia a confiança, do medo à amizade" (p.107).
Resenhado por Mariana Donati Valle
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